A votação da urgência de um projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, apresentado nesta quarta-feira (12 de junho) na Câmara Federal, levanta discussões sobre seu impacto nas vítimas de violência sexual. O texto altera os critérios para a legalidade do aborto, o que pode afetar significativamente essas vítimas. Em Minas Gerais, entre janeiro e abril de 2024, pelo menos 11 mulheres foram vítimas de estupro por dia, totalizando mais de 1,4 mil casos no período, conforme dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). O número real pode ser ainda maior devido à subnotificação, já que apenas 8,5% dos casos chegam ao conhecimento da polícia, segundo o Ipea.
Especialistas alertam que, se aprovada, a nova legislação representará um retrocesso na luta pelos direitos das mulheres, potencialmente aumentando a subnotificação e a incidência de gravidez na infância. A aprovação da urgência permite que o projeto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares, seja votado em plenário sem passar por todas as etapas de debate. Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em três situações: anencefalia fetal, risco de vida para a gestante, e gravidez resultante de estupro.
O projeto de lei propõe alterar o Código Penal para aplicar a pena de homicídio simples aos abortos em fetos com mais de 22 semanas. A pena seria de 1 a 20 anos de prisão para a mulher que provocar o aborto em si mesma ou consentir que outro o faça, ou se o aborto for provocado por terceiro com ou sem seu consentimento. Críticos afirmam que isso pode agravar a situação de meninas menores de 14 anos forçadas a maternidade, em meio ao que a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, chama de “epidemia de abuso sexual infantil”.
Em Minas Gerais, 70% dos casos registrados nos primeiros quatro meses de 2024 envolvem vítimas menores de 18 anos, com quase 500 casos de crianças com menos de 11 anos. A maioria dessas vítimas são abusadas por familiares, como pais, avôs e tios. Segundo a ministra, “são essas meninas que mais precisam do serviço de aborto legal, mas têm menos acesso a esse direito garantido desde 1940 pela legislação brasileira”.
Para Isabela Araujo, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, a nova lei poderia vitimizar novamente as mulheres que forem estupradas, obrigando-as a responder em estabelecimentos prisionais e aumentando a subnotificação dos casos. Ela destaca ainda a disparidade nas penas, onde mulheres podem receber uma pena maior do que estupradores condenados, cujas penas variam de 6 a 12 anos de prisão.
Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), critica o projeto, considerando-o um marco retrógrado que contraria a tendência de descriminalização do aborto em países da América Latina. “É uma violência contra 52% da população deste país, uma forma de promover violência contra os direitos das mulheres”, afirma, enfatizando a injustiça de condenar meninas já traumatizadas por estupro a uma pena por homicídio.