A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a restituir a quantia de R$ 101 mil que havia sido doada por uma fiel, em Samambaia (DF). De acordo com a autora do processo, em 2006, ela e o esposo começaram a frequentar a igreja a fim de “e alcançar sucesso financeiro, profissional e familiar”.
Na época, eles foram informados de que deveriam contribuir com 10% de todo valor que recebessem, para obter as graças divinas almejadas. O dízimo era pago mensalmente e o valor era tirado do salário do marido.
Em 2014, o casal foi premiado em R$ 1,8 milhão, fruto de uma aposta da Lotofácil. Desse total, R$ 182.102,17 (10% do valor ganho) foram transferidas para a Universal. Mais tarde, o casal transferiu mais R$ 200 mil, também como doação, com a promessa de que as vidas de ambos seriam abençoadas.
No ano seguinte, o casal separou-se e dividiram o que restou do prêmio. Segundo a mulher, “na busca das bênçãos financeiras”, ela ainda transferiu para a igreja um automóvel modelo HB20, da marca Hyundai, e mais R$ 101 mil.
No entanto, a autora relata que passados oitos anos ela não alcançou o que era prometido nas pregações e parou de frequentar os cultos. Na ação, ao pedir os valores de volta, a mulher diz que a doação não foi feita na forma exigida em lei.
No processo, a Universal argumentou que “os fatos narrados pela autora foram praticados nos limites das liberdades de consciência e de crença, previstos na Constituição Federal, não atraindo as consequências jurídicas dos vícios de erro, dolo ou coação”.
A defesa da igreja ressaltou ainda que “as hipóteses de arrependimento, descrença ou abandono da convicção religiosa não torna ilícita a conduta da instituição religiosa”. A Universal alega também que o dízimo ou outra oferta eclesiástica não se confunde com o instituto civil da doação.
Na decisão, o magistrado condenou a Universal a devolver os R$ 101 mil doados pela mulher com correção monetária. No entanto, ressaltou que a doação do carro foi feita na forma da lei e por isso o bem não poderia ser devolvido.
O juiz ressaltou ainda que a doação de de bens ou valores de elevado valor em benefício de instituições religiosas configuram doação. “Como o dízimo e oferta eclesiástica não foram previstos no Código Civil de forma especial, subsumem-se ao instituto jurídico da doação”, explicou.
Conforme a decisão, não se trata de anular doações por motivo de não ter “alcançado as graças prometidas”, já que o pagamento do dízimo não prevê uma contraprestação. Mas de verificar que a doação em dinheiro não foi formalizada por escritura pública ou instrumento particular, tal como exige a legislação brasileira. A igreja ainda pode recorrer da decisão.
Marido também pediu o dinheiro de volta
Ainda na sentença, o magistrado ressaltou que o ex-marido da mulher também entrou com ação contra a Universal, em 2020, pedindo a restituição do montante doado quando ainda estava casado.
O pedido de nulidade da doação foi concedido pela juíza da Vara Cível do Riacho Fundo (DF). Na sentença, a juíza também argumento que não houve “a validade do ato, qual seja, formalização do negócio jurídico por escritura pública ou instrumento particular”.
“Em síntese, a formalidade é exigida não apenas para dar certeza de que aquele negócio é ato de mera liberalidade, mas também para resguardar a pessoa do doador, funcionando como um mecanismo para posterior controle sobre o que foi doado, sobre a intenção do doador e a sua capacidade no momento do ato, dentre outros”, escreveu a juíza na sentença, publicada em abril de 2021.