Se a vantagem de 563.037 votos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Minas, no primeiro turno, contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi menor do que se previa, a virada desses votos em terras mineiras é um desafio que o candidato à reeleição terá que conquistar até o dia 30. E, para isso, Bolsonaro precisa que o voto “Luzema” – eleitores que votaram em Lula para presidente e em Romeu Zema (Novo) para governador – tenha menos adeptos neste segundo turno. A missão está sendo liderada por Zema, que coordena a campanha de Bolsonaro em Minas. E, por isso, tem intensificado a agenda do presidente no Estado neste segundo turno.
Dos 853 municípios mineiros, Lula e Zema foram os mais votados simultaneamente em 436. E em quase dois terços deles (66% ou 292), o índice de votação dos dois ultrapassou 50% dos eleitores, mesmo sendo de ideologias e programas de governo diferentes. E essas cidades estão na rota de atuação do governador em busca de apoio ao presidente.
Nesta quarta (26), Bolsonaro estará com Zema em Teófilo Otono, no Vale do Mucuri. A cidade foi uma onde o voto “Luzema” foi o vencedor. Lula e Zema venceram no primeiro turno, com 48,74% e 54,31% dos votos, respectivamente. O município tem mais de 106 mil eleitores, e o prefeito é Daniel Sucupira, do PT. Mas é uma das principais cidades da região e faz parte das 20 mais populosas do Estado.
Um dos exemplos do voto “Luzema” foi em Juiz de Fora, o quarto colégio eleitoral do Estado, com mais de 418 mil votantes. Foi na cidade da Zona da Mata que Lula conseguiu a maior virada do PT neste ano, na comparação com 2018, entre os municípios mais populosos. O petista teve 52,68% dos votos (mais de 167 mil), contra 23,32% de quatro anos atrás. Zema também obteve votação expressiva: 55% dos votantes, ou 155 mil votos. Por outro lado, Bolsonaro viu sua votação cair sete pontos percentuais no período. Tanto é que a cidade foi escolhida pelo presidente para ser a primeira agenda no interior do Estado no segundo turno, no último dia 17.
Porém, no caso de Juiz de Fora, o governador não terá apoio da gestão municipal: a cidade é administrada por Margarida Salomão, do PT. A prefeita julga que o governador não vai transferir votos dos eleitores da cidade para Bolsonaro. “Tivemos investimentos vultosos do PT em Juiz de Fora e região”, rebateu Margarida.
Outra grande cidade em que Lula e Zema venceram juntos foi Montes Claros, no Norte de Minas, com 46,03% dos votos para o ex-presidente e 56,03% para o governador. A região sempre foi reduto petista historicamente, mas a vantagem neste ano foi de menos de 4.000 votos, o que indica que há margem para crescimento de Bolsonaro na cidade, que tem mais de 287 mil eleitores.
Por isso que, também na última terça-feira (17), ela foi o destino de Bolsonaro e Zema. O prefeito do município, Humberto Souto (Cidadania), é um dos reforços na empreitada. “Vamos reverter esse quadro (de vitória de Lula) na cidade. Temos que conversar com a população, os moradores da zona rural. Não podemos voltar com aquele governo que acabou com as prefeituras”, afirmou Souto.
Zema venceu nos maiores municípios
Dos dez maiores municípios do Estado, Romeu Zema foi vitorioso em nove, e Lula, em quatro. Nesse cenário, o governador pode influenciar para tentar aumentar a vantagem de Bolsonaro em cidades mais populosas, como Uberlândia, onde Bolsonaro estará nesta quarta (26), e Uberaba, no Triângulo, Governador Valadares, no Rio Doce, e Ipatinga, no Vale do Aço – locais onde o governador teve mais de 60% dos votos e onde os prefeitos apoiam Bolsonaro – e contribuir para uma possível virada.
Zema aposta na boa relação com os prefeitos para que a virada aconteça. No último dia 14, foi divulgado que mais de 600 deles estiveram em um evento da Associação Mineira dos Municípios, que se tornou um ato de apoio a Bolsonaro e que teve o governador como um dos agentes principais. Na ocasião, o presidente conclamou os prefeitos a virarem os votos. Em novos atos, ele voltou a repetir que, “com o apoio do governador e dos prefeitos”, seria possível virar em Minas”.
Já Barbacena, no Campo das Vertentes, foi o destaque do “Luzema”. Entre os 20 municípios com mais eleitores, a cidade (que tem 100 mil) foi o local onde Lula e Zema venceram juntos com o maior percentual. O petista obteve 54,29% dos votos, e o político do Novo, 56,12%. Durante o primeiro turno, o prefeito Carlos Du (MDB) fez campanha para Zema, mas se manteve neutro para presidente. Neste segundo turno, ele ainda não se manifestou sobre a disputa presidencial.
Itabira, na região Central, com 91 mil eleitores, foi outro município dos mais populosos onde o voto “Luzema” foi preferência de mais da metade dos eleitores. Lula conquistou 50,16%, e Zema, 51,12%. O prefeito Marco Antônio Lage é do PSB e já declarou apoio a Lula.
Já em Ibirité, a maioria dos 125 mil habitantes também preferiu Lula e Zema, mas a votação obtida pelos dois foi percentualmente menor (48,13% e 45,60%, respectivamente) do que em outras cidades do “Luzema”.
‘Transferência de votos não é algo tão fácil’, avalia cientista político
Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Ranulfo, é difícil fazer um prognóstico se o voto “Luzema” será revertido. Ele diz que a transferência de votos não é algo tão fácil: “Uma coisa é transferência, outra é mudança de voto. O Zema pode até buscar o eleitor do Ciro, da Tabet, que tendem a ir mais para Lula, e os indecisos para o Bolsonaro. Mas outra coisa é falar de mudança de um extremo a outro. Quem votou no Lula não vai votar no Bolsonaro. Temos que levar em conta que os votos estão muito cristalizados”.
Exemplo foi que Zema viu a bancada mineira do Novo reduzir na Assembleia Legislativa, além de perder todas as vagas na Câmara Federal. Outro ponto que a transferência do governador não deu resultado foi a eleição ao Senado, em que o candidato de Zema ficou em terceiro lugar.
“O Zema tem um governo burocrático, mas não acredito que ele seja uma figura popular a tal ponto de liderar uma virada no jogo. Lula faz isso, Bolsonaro também, o Brizola fazia. O que Zema tem feito é usar a máquina do Estado e acionar as prefeituras para tentar a virada. Já se sabe quem apoia Lula e quem apoia Bolsonaro. E o que a gente vê é que nem todos os prefeitos querem declarar apoio público”, completou. “Além disso, um prefeito que está sendo mal-avaliado pela população não é um bom cabo eleitoral”, acrescentou Ranulfo.
O doutor em sociologia pela UFMG Rubens Goyatá pondera que o voto é muito pessoal. “Não acredito que apenas a atuação de Zema, mesmo junto aos prefeitos, possa conseguir liderar uma grande virada no segundo turno. Pelo menos, é isso que apontam as pesquisas neste momento. O voto é muito pessoal. Olhando de uma maneira mais ortodoxa, a pessoa que é ‘Lula e Zema’ vai continuar sendo, assim como quem foi ‘Lula e Aécio’”, analisou.
“O Zema tem um governo burocrático, mas não acredito que ele seja uma figura popular a tal ponto de liderar uma virada no jogo. Lula faz isso, Bolsonaro também. O que Zema tem feito é usar a máquina do Estado e acionar as prefeituras para tentar a virada. Já se sabe quem apoia Lula e quem apoia Bolsonaro. E o que a gente vê é que nem todos os prefeitos querem declarar apoio público”, afirma Ranulfo.
Fonte: OTEMPO