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Alberto Cavalcanti é o primeiro hospital público estadual a entregar laringes eletrônicas a pacientes
Oito homens com histórias de vida e idades diferentes deram nesta semana o primeiro passo em direção ao sonho em comum de recuperar a capacidade de falar. Contemplados pela primeira remessa de laringes eletrônicas entregues pelo Hospital Alberto Cavalcanti (HAC) – referência em oncologia em Minas e integrante do Complexo de Especialidades da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), eles representam o início da distribuição contínua dos aparelhos a todos os pacientes elegíveis, de modo que, ao receberem alta, já saiam usando as laringes eletrônicas. A ação integra o Julho Verde – mês de conscientização sobre o câncer de cabeça e pescoço.
Foram investidos quase R$ 50 mil na compra das primeiras 20 unidades dos equipamentos. A médica oncologista e vice-presidente da Fhemig, Patrícia Albergaria, salientou que a fundação busca disponibilizar toda a estrutura para que os pacientes sejam assistidos de forma humanizada. De acordo com a gestora, “a questão do tabagismo e do etilismo, principais fatores de risco para o câncer de laringe, requer ações de educação inseridas na grade curricular do ensino fundamental e médio, de modo a se construir uma solução duradoura para esse grave problema de saúde pública”.
Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), anualmente, ocorrem cerca de 40 mil novos casos de câncer de cabeça e pescoço no Brasil. Para este ano, estão previstos quase 8 mil novos casos de câncer de laringe no país. Na região Sudeste serão quase 4 mil e, em Minas Gerais, são esperados 900 novos casos. Somente o HAC realizou, em média, mais de 2 mil atendimentos a pacientes com câncer de cabeça e pescoço nos últimos cinco anos. Nos seis primeiros meses de 2023, foram feitos mais de mil atendimentos, dos quais 250 relativos ao câncer de laringe.
O tabaco e o álcool estão entre as principais causas do câncer de laringe. Quem fuma aumenta em dez vezes as chances de desenvolver a doença. Quando há a associação entre o fumo e bebidas alcoólicas, a possibilidade de incidência desse tipo de câncer salta para 43 vezes.
Expectativa
O auxiliar de serviços gerais, Hélio Francisco da Costa, 62 anos, planeja ligar para o pai, de 82 anos, assim que dominar o manuseio da laringe eletrônica, e surpreendê-lo com a nova etapa de vida.
Casado e sem filhos, Hélio se esforça para contar sua história, tendo a irmã Zoraide da Costa como uma espécie de tradutora dos sons que ele emite com dificuldade. Em geral, sua comunicação se dá por meio de gestos e da escrita. Operado em janeiro de 2021 no HAC, descobriu a doença cinco meses antes, depois de buscar atendimento médico devido a um quadro de rouquidão que cresceu gradativamente. Ele conta que bebeu e fumou por mais de 40 anos. “Se pudesse voltar atrás, não fumaria, nem beberia. A perda da voz causa agonia e incapacidade de comunicação”.
Zoraide explica que o irmão costuma ficar nervoso e aflito, porque muitas vezes não é compreendido em suas tentativas de se expressar. “Estou muito emocionada com o recebimento da laringe eletrônica. O sentimento é de felicidade, gratidão a Deus e a todos do hospital. Depois de mais de dois anos, vou ouvi-lo novamente”.
Ao receber o diagnóstico em junho de 2020, o pedreiro Marcius Vinícius Rosa de Castro, 50 anos, casado e pai de dois filhos, adotou uma atitude de negação da doença. Somente se deu conta da gravidade da sua situação ao providenciar os exames que antecederam a cirurgia realizada em fevereiro de 2021.
Segundo seu filho Bruno, o pai começou a perceber nódulos na região da face, por, aproximadamente, um ano, mas como não sentia dor, não se apressou em buscar atendimento médico. “Os nódulos cresceram bastante e procurei atendimento no posto de saúde que me encaminhou ao HAC”. Há quase dois anos e meio sem falar, a expectativa com a laringe eletrônica é grande. Nesse período, ele tem se comunicado com os familiares por mensagem de texto no celular.
Assim como Hélio, Marcius começou a fumar jovem e somente abandonou o vício depois de 36 anos, mas manteve o hábito da bebida. “Se eu soubesse, nunca teria fumado. O que mais me angustia é o fato de as pessoas completarem minhas frases antes mesmo de eu terminá-las”. Isso o deixa nervoso, pois faz um esforço enorme para se comunicar. “O atendimento foi ótimo, todos do hospital me trataram muito bem”, acrescenta.
Mais frequente
O câncer de laringe é o tipo mais frequente nas regiões da cabeça e do pescoço. Ele tem mais de 80% de chances de cura se diagnosticado e tratado na fase inicial da doença. De modo geral, é mais comum em pessoas do gênero masculino que fumam e bebem habitualmente.
No entanto, conforme pondera o cirurgião e coordenador médico da especialidade cabeça e pescoço do HAC, Guilherme Souza, esse cenário vem experimentando mudanças significativas nos últimos anos. “Percebo que, cada vez mais, pessoas jovens são acometidas por esse tipo de câncer. Também tenho constatado que a diferença da incidência do câncer de laringe entre homens e mulheres tem diminuído”. Segundo o médico, isso se deve ao fato de os homens estarem reduzindo os hábitos de fumar e beber, enquanto as mulheres o estão adotando cada vez mais.
Quando em estágio avançado, o tratamento do câncer de laringe implica na remoção cirúrgica de todo o órgão e das cordas vocais – laringectomia total, com a perda da voz. Daí a importância da reabilitação para a reconquista da capacidade de expressão por meio da oralidade.
A laringe está ligada diretamente à respiração e à deglutição. Além disso, ela é fundamental para a produção da voz laríngea, ou voz verdadeira como também é denominada. Mudanças relacionadas a esse órgão afetam a fala, a respiração e a alimentação.
Voz é identidade
Quem é submetido à laringectomia total, experimenta ainda significativas mudanças corporais, decorrentes da separação das vias digestivas e respiratórias. Após a cirurgia, a pessoa respira pelo traqueostoma (abertura cirúrgica permanente da traqueia para a parede do pescoço) que irá acompanhá-la desde então, a fim de possibilitar a passagem do ar na inspiração e expiração.
O impacto da retirada total da laringe é melhor compreendido ao se considerar que a voz é um importante elemento identitário. Sua perda compromete a forma como a pessoa interage socialmente, e também a comunicação dos seus sentimentos e interesses.
O trabalhador rural João do Carmo Rodrigues de Azevedo é casado, tem seis filhos e mora na cidade de Minas Novas. Ele descobriu que estava com câncer de laringe em junho de 2020. Três meses após, fez a cirurgia. “Senti uma tosse e uma sensação de que tinha alguma coisa na minha garganta, demorei mais ou menos uns dois meses para procurar o médico, quando soube da doença fiquei um pouco abatido. Hoje me comunico por meio da leitura labial”, relata por escrito.
Esperança
Ele tem a expectativa de que, com a laringe eletrônica, consiga se comunicar usando a voz. “Tenho esperança de viver melhor com o uso dela. Se pudesse voltar no tempo, me cuidaria melhor e não faria uso do cigarro. Digo às pessoas que não fumem, façam exames regularmente e cuidem bem da saúde e da voz, resume.
O autônomo João Geraldo Ferreira Coelho é solteiro e vive na cidade de Jequitibá. Prestes a completar 59 anos em 20/7, ele recebeu o aparelho como um presente de aniversário e oportunidade de recomeço. Sua cirurgia foi realizada no HAC em junho de 2021. João Geraldo conta que cerca de seis meses antes do diagnóstico, teve início uma rouquidão que o fez procurar o posto de saúde, que o encaminhou ao hospital. Antes da doença, ele era muito brincalhão e comunicativo. Com a laringe eletrônica, deseja resgatar essas características de sua personalidade.
A diretora assistencial do Complexo Hospitalar de Especialidades, Cláudia Andrade, salienta que o diagnóstico oncológico traz insegurança e angústia para os pacientes e suas famílias. “Em contrapartida, o tratamento traz a esperança da superação desse momento difícil para todos, especialmente para o paciente”.
Reunir forças
Para a coordenadora da Comissão Municipal de Oncologia (CMO), Glauciane Alves, o grupo familiar precisa reunir forças para auxiliar a pessoa com o diagnóstico. Ela conta que, quando jovem, perdeu a avó diagnosticada com câncer de cabeça e pescoço. “Ela manteve a doença em segredo até ser tarde demais para a cura. Quanto mais rápido iniciar o tratamento, maiores as chances de cura”, enfatiza.
Assim como Glauciane Alves, a coordenadora da unidade ambulatorial oncológica e quimioterápica do HAC, a enfermeira Cíntia Esteves Soares, perdeu um familiar para o câncer de cabeça e pescoço. “Estamos lutando há muito tempo para chegarmos a esse resultado final. Quando cuido dos pacientes de cabeça e pescoço, estou resgatando o cuidado com o meu pai, a quem tive a oportunidade de assistir durante a doença”, revela.
Ela destaca ainda que a aquisição dos aparelhos é uma importante conquista para o HAC e traduz a preocupação do hospital em amenizar as dificuldades comunicativas, emocionais e sociais vivenciadas pelos usuários.
Sinais de alerta
É importante ter consciência sobre os sinais de alerta. Alterações na voz; dor ou dificuldade para engolir; feridas na boca; caroços no pescoço com mais de duas semanas de evolução, indicam a necessidade de se procurar atendimento médico o mais rápido possível.
De acordo com Guilherme Souza, a maioria dos casos de câncer de laringe são de pacientes com tumores em estágio avançado, com a necessidade de retirada das cordas vocais. Isso ocorre devido à demora em procurar atendimento nos primeiros sintomas de alerta, daí a importância das campanhas de esclarecimento.
Outro aspecto que contribui para a situação é o não reconhecimento dos sinais de alerta por parte dos profissionais de saúde, sendo importante programas de educação continuada voltados à atenção básica, principalmente.
Onda sonora
A laringe eletrônica é um aparelho portátil com baterias recarregáveis que emite onda sonora contínua quando posicionado no pescoço, transformando-se em voz, que é articulada na cavidade oral e possibilita a comunicação do paciente laringectomizado total. Uma grande vantagem é que esse dispositivo pode ser utilizado poucos dias após o tratamento cirúrgico.
Há a necessidade de treinamento para o uso do equipamento. A maioria dos pacientes se adapta a ele, gostam da comunicação e ficam felizes por serem compreendidos. Apesar desse cenário positivo, a rejeição ocorre pelo tipo de som metálico emitido pelo aparelho e pela necessidade de seu posicionamento no pescoço. Nesses casos, os pacientes são estimulados a terem contato com outros que já o utilizam para troca de experiências.
A referência técnica do serviço de fonoaudiologia do HAC, Silmara Melgaço, orienta que o dispositivo deve ser pressionado no pescoço ou na bochecha para que a pessoa consiga “falar”. Segundo ela, os pacientes que receberam as laringes eletrônicas foram avaliados e acompanhados pela equipe de fonoaudiologia do HAC na época em que realizaram a cirurgia. “Durante esse acompanhamento, foram apresentados ao equipamento e receberam treinamento para o uso. Caso haja a necessidade de novo treinamento serão atendidos no ambulatório”, esclarece a fonoaudióloga.
O paciente necessita articular bem as palavras para que o som da vibração no pescoço, a partir do uso da laringe eletrônica, possa ser bem compreendido pelo interlocutor. Não há um número de sessões pré-definidas, mas normalmente é um treino breve em torno de duas a quatro sessões.
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